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De chuvas e ciclos

Pela janela vejo as folhas das árvores cairem às dúzias sacudidas por um vento forte. Olho para um céu ameaçador carregado de nuvens muito escuras, anunciando tempestade daquelas.

Não tenho medo, ao contrário. Sempre gostei das tempestades. Sempre me pareceram uma demonstração de força da natureza, uma forma de deixar claro quem tem a primazia num mundo em que os humanos parecem ter controle de tudo. De vez em quando a natureza se encarrega de nos obrigar a reconstruir, talvez para nos lembrar de não destruir.

Quase seis da tarde. Os tons cinza chumbo me obrigam a acender algumas luzes. Será a primeira grande chuva da temporada. Ainda não testamos a qualidade do telhado nem o escoamento de aguas da chuva na nova casa. Espero não ter nenhuma surpresa.

No cerrado, as chuvas terminam em abril e recomeçam em setembro. Às vezes começam de mansinho, um chuvisco de nada. Ou esperam um dia muito abafado como o dia de hoje para fazer uma estréia triunfal, digna de uma ópera de Wagner. Em Goiania nunca temos inundações pra valer. Há muita área permeável e estamos longe de rios. Temos uns riachinhos de nada, que ás vezes até dão trabalho, mas não passa disso.

Então a chuva tem sempre um sentido positivo, de fecundidade, de oposição ao período da seca. Gosto de ver as gotas caindo. Quando criança ficava com o rosto colado na janela olhando para toda aquela água caindo com força. Á noite, gostava de ver os raios e os imaginava muito importantes para se fazerem anunciar com tanta pompa pelos trovões.

Pela manhã, o céu

azul convidava a inspecionar as formigas, que no dia seguintes ás grandes chuvas de setembro, apareciam com asas e infernizavam a vida de minha mãe, que tinha que varrer as asas perdidas e espalhadas por toda a casa.

Ainda hoje não sei porque as formigas ganham asas nas noites de grande chuva…

Quando adolescente, um amigo querido me disse não gostar das tempestades. Ele as julgava um preço alto demais a pagar pelos dias de sol. Então dizia preferir todos os dias nublados. Na verdade, essa era uma forma de fugir de decepções, quase uma doutrina do tipo “melhor não ter para não perder”.

Nunca consegui compartilhar desse sentimento. Os dias de sol trazem um encantamento às pessoas, às plantas e à vida. A chuva não é um preço a pagar. É um contraponto. Como ilusão e decepção. Esperança e lágrimas. Amor e abandono.

Como seria uma vida sem amores nem dissabores? Sem altos e baixos?

O cerrado é pleno de contrastes e de ciclos muito claros. Os mesmos campos que hoje estão ressequidos, semi mortos, soterrados sob um lençol de folhas secas, vão despertar após a primeira grande chuva e preencher a paisagem com um verde novinho, verde alvissareiro de folha recém nascida.

E em poucos dias tudo renasce sob o som estridente das cigarras, arautos infalíveis da primavera, trazendo à alma o sentimento de renovação, de recomeço, de novo ciclo…

 

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