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Objeto de desejo

Os cheiros sempre foram um componente importante na minha percepção do mundo. Cheiros de toda sorte e natureza, desde os adoráveis aos que te afastam de imediato.

Entre os mais alvissareiros está o delicioso cheiro de terra molhada no inicio da estação das chuvas, quando os primeiros pingos caem sobre os telhados empoeirados e a terra carente exala um odor de renovação, de vida…

Mas essa semana foi uma imagem que me trouxe á memória um cheiro inesquecível. A foto do vidro de perfume “Toque de Amor” da Avon.

O vidro é ainda o mesmo dos idos de 1968, quando o vi pela primeira vez no quarto da irmã mais velha de uma amiga.

Numa quente tarde de sábado, entrei por poucos minutos no quarto da moça. Ela tinha uma penteadeira, com vários objetos  incluindo uma bombinha para borrifar perfume, lindíssima, com uma cordinha púrpura na ponta.

E entre seus tesouros havia um vidro de perfume.  Nos meus catorze anos ainda não tinha visto um perfume de verdade.

Minha mãe, em suas reduzidas posses, usava Água de Colônia e já era um luxo para a época.
A partir dessa tarde o vidrinho passou a povoar minha imaginação e a se transformar em objeto de forte desejo.

Meses depois, eu me preparava para a esperadíssima festa de formatura do ginásio. Iria usar um vestido novo, amarelinho, com pequenas tranças de tecido na alça e cinto de fivela, uma obra de arte costurada por minha mãe. Mas certamente minha noite de princesa seria incompleta sem uma nuance do tal “Toque de Amor”, garantia absoluta de uma noite memorável.

Fui falar com a proprietária do perfume, e expus a importância de uma leve borrifada do líquido precioso. O argumento dela foi contundente: se ela cedesse para mim teria que garantir uma soprada também para suas irmãs, que até então não tinham merecido tamanha distinção.

Jurei segredo absoluto sobre a fonte da concessão, sem sucesso. Até que ela, pensando melhor, viu em mim uma possibilidade interessante. E propôs ceder não apenas um, mas três generosos borrifos, em troca de um serviço muito especial: levar uma carta para uma pessoa.  Fácil demais pensei, e me comprometi com a tarefa.

À noite ganhei minhas borrifadas e fui gloriosa para a festa de formatura. No salão de festas de um ginásio de interior, piso vermelho de cimento queimado, a música era garantida por um conjunto da própria cidade que, apesar de estreante, arrasou com as imitações de “Renato e seus Blue Caps” e do Jerry Adriani.
Foi a minha primeira festa dançante e uma noite inesquecível.

Na semana seguinte fui pagar minha dívida: levar a carta.  O destinatário era o subgerente do único banco da cidade, bonitão, casado, três filhos.

Dois meses depois, o caso dos dois se tornou público. A esposa traída fez todo alarde possível. Como convinha aos costumes da época, minha patrocinadora, aos 19 anos, foi expulsa de casa. Sem ter parentes que a acolhessem, foi embora da cidade. O moço também foi transferido sabe Deus para onde.

Nunca mais tive noticias dela ou dele…

Também nunca mais usei o tal perfume.

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