Há dias que são absolutamente perfeitos. Tudo aconteceu da melhor forma possível, com todos os ingredientes de alegria.
Porque ainda assim a tristeza nos visita?
Assim, sem mais nem porque, sem pedir licença, sem marcar visita, sem bater á porta.
Simplesmente chega e se instala. Não veio para uma longa temporada pois não veio com mala.
Pelo jeito é uma visita passageira, dessas tão comuns nos domingos á noite, que há tempos não aparecia.
Não veio trazida por um problema do passado, por uma perda ou por uma lembrança.
Veio misturada no por de sol em tons alaranjados, tomou corpo no chá de hortelã e se instalou com a música Sweet Memories de Ray Charles.
Não é dessas tristezas que pesam na alma, que subjugam o corpo, que vergam os ombros.
É um sentimento que se instala aos poucos, sorrateiro e insidioso, uma espécie de visgo que se cola á pele como o sereno frio da madrugada. De início nem parece real mas com o tempo dá a impressão de chegar aos ossos.
Instalado como está, esse sentimento tristeza é quase uma assinatura de contraponto ao latido alegre do nosso Collie Balzac, incansável na sua eterna e inútil missão de perseguir helicópteros e boeings, que, imagino, são para ele riscos terríveis á segurança da casa.
Tentei resistir um pouco à essa velha conhecida. Tenho muitos truques para mantê-la á uma distância segura.
Mas mudei de idéia. Talvez devesse mesmo fazer esse exercício de outono, de perder as folhas a ponto de chegar na nudez dos galhos.
De olhar com mais pausar para tudo o que me rodeia com lentes mais amenas, não de quem organiza mas de quem percebe.
De olhar devagar e demoradamente ao contrário da visão en passant de sempre.
De mergulhar nos sentimentos sem precisar abrir nenhum armário de lembranças.
Quase um “Let it be”.
Por que não?
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