Hoje completa um mês do AVC de mamãe. Um longo e escorrido mês, onde esperança, fé e o carinho da família e dos amigos trouxeram a força necessária. Foi também um mês de inacreditáveis avanços. Quase um milagre por dia.
O primeiro diagnóstico pós AVC foi de altíssimo risco com as próximas 24 horas de absoluto cuidado e monitoramento na UTI e real possibilidade de que mamãe não sobreviveria.
Aprendemos que para o paciente com AVC existe uma escala de risco que muda com um ritmo mais ou menos constante. Primeiras 12 horas, 24 hs, 3, 7, 14 e 21 dias. Não tínhamos a menor ideia do que teríamos pela frente, o que aliás é uma boa coisa pois esse desconhecimento nos poupa algum sofrimento.
Nós todos da família passamos por várias fases mais ou menos nessa mesma escala. Viemos do atordoamento da primeira notícia para o desespero com a gravidade do quadro. Aos poucos a esperança nos animou e nos trouxe nova e boa perspectiva.
Mamãe tem 85 anos e apesar da excelente saúde tem a natural fragilidade que a idade impõe. Mas é uma mulher aguerrida, forte, lutadora e perseverante.
Sempre foi assim.
Mas uma doença grave é uma luta para a qual nunca estamos preparados, nem devemos estar. Há muitas outras provações na vida, mas certamente as mais duras são a perda de pessoas muito queridas e as doenças graves. Felizmente ela não tem consciência o tempo todo do que aconteceu.
Nossa família se uniu em torno dela, com carinho e presença constantes. Seus nove filhos e os netos mais próximos estiveram ao seu lado em um revezamento continuo e estou certa de que essa proximidade foi muito importante para ela se sentir viva, amada e rodeada pelos seus.
É claro que na UTI as visitas eram restritas e curtas, os dias e as noites se misturavam numa continuidade interminável.
O hospital Santa Monica dispõe de uma UTI humanizada, separada das demais, para pacientes vítimas de AVC. Depois de uma semana mamãe podia receber três visitas por dia. Às 10h, ao meio dia e às 16h com duração de até meia hora. Na segunda semana ela passou a ser acompanhada por uma cuidadora, na UTI mesmo.
Estive com mamãe todos os dias desde que cheguei de viagem. Não foram fáceis os 21 dias de UTI. Agora posso afirmar com certeza, e com conhecimento de causa, que essa provação não pode incluir nem desânimo nem falta de fé, senão a carga fica maior que podemos suportar. O apoio da família, dos amigos faz toda a diferença quando nos falta chão.
Nesses momentos o desânimo é o golpe de misericórdia que nos leva a desabar quando a paulada é grande. Todos nós temos nossas fraquezas e com certeza vacilamos diante de provações. A fé é um poderoso recurso para buscarmos o ânimo e a energia imprescindíveis para seguir em frente. Não estou falando da fé cega.
Esta faz muito bem, mas poucos são os que conseguem ter uma fé cega e inabalável.
Falo da fé humana, da fé que surge da fragilidade, da sensação de desamparo, que pede ajuda, que se deixa ajudar, que roga a Deus mais energia porque já não pode encontrá-la mais em si mesmo.
Quando se acredita com todas as forças de que dispomos nasce energia mesmo quando ela já se esgota. Essa fé é reconfortante e pode fazer uma enorme diferença nos momentos decisivos.
A frase biblica que diz que “a fé remove montanhas” tem todo sentido porque a fé movimenta a vontade que por sua vez arrebanha uma poderosa energia dentro de nós.
O medo paralisa e tem foco na sombra. A fé impulsiona e tem foco na luz. A fé pode ser traduzida como uma vontade firme de superar, de atravessar o vale escuro, de vencer a provação.
Passados os 21 dias mais dois no quarto e mamãe foi liberada para vir para nossa casa.
Na saída do hospital eu e o Beto agradecemos muito ao Dr. Pedro Jorge Gayoso, responsável pela UTI do Sta Mônica, que além da competência profissional sempre foi muito atencioso com mamãe e conosco.
Fiquei emocionada ao dizer a ele que não tínhamos como agradecer o cuidado dele que foi decisivo para a recuperação dela. E ele me respondeu que esse reconhecimento fazia valer seu esforço e dedicação.
Neste longo mês nosso lema tem sido uma luta e um vitória por dia e cada uma muito comemorada.
As visitas dos filhos e netos são sempre o ponto alto do dia dela. No domingo fizemos um almoço reunindo boa parte da família em torno dela para que ela se sentisse rodeada de afeto.
São muitas as vitórias a festejar até aqui: frases mais longas, uma volta no andador, sentar na mesa para a refeição, segurar a própria xicara, ler algumas manchetes da revista Veja.
As lutas também: muitas noites de insônia e de medo em que ela se agarrava a minha mão e pede que eu não deixasse só. Ou momentos em que chamava pelos filhos um a um, pedindo que a levasse para um lugar com mais ar pois estava sufocando.
Ou queria que desligássemos todos os computadores que estavam impedindo o seu sono – esse um resquício dos ruídos dos monitores da UTI com seus apitos a intervalos regulares.
O medo de ficar só e a falta de ar também um resquício do momento em que ela teve o AVC pois ela estava só, e já foi encontrada caída no chão. Mesmo durante o dia é preciso segurar sua mão quase todo o tempo para mantê-la mais calma.
Não tenho saído de casa em nenhuma hipótese. Durante o dia a ressaca da noite mal dormida me impede de levar minhas atividades adiante. Tenho vivido 24 horas por dia em torno de remédios, cuidados, atenção e alguma pesquisa na internet para entender melhor o que está acontecendo.
Mas o tempo todo agradecendo a Deus o privilégio de poder cuidar de minha mãe e contar com o apoio irrestrito do meu marido, das filhas e dos meus irmãos que estão sempre ajudando.
E principalmente pela sorte de não estar precisando ser cuidada, pelo contrário, tendo força e fé para ajudá-la.