Mais uma noite em claro. Prática como sou aproveitei as horas em claro para organizar uma lista do que tinha que fazer durante o dia, além é claro de colocar a bagagem nas malas. Seria uma longa sexta feira pois o vôo da American Airlines iria decolar às 22h30.
Previsão de chegada em Brasília às 9 da manhã, mais 3 horas de carro até Goiânia. Recebemos a instrução de ir em casa e tomar um banho antes de ir ao hospital pois ambiente de aeroporto e avião tem bactérias e germes demais.
Uma hora da tarde estávamos na UTI para ver mamãe.
A imagem daquela senhorinha frágil e encolhida na cama da UTI foi de cortar o coração. Muito diferente da pessoa que um mês antes havia viajado sozinha para São Paulo para visitar os dois filhos que moram lá.
Ela havia me pedido a passagem aérea de presente de Natal.
Ela sempre gostou de viajar e passou para os filhos a importância de ter mente aberta. Aos 72 anos, minha mãe viajou sozinha em umas férias curtas para o Chile onde não conhece vivalma.
Filha de família pobre no interior de Goiás, D. Carmem passou a infância às margens do Parnaíba, em uma casinha de pau-a-pique.
Sem nenhum incentivo para isso, se afeiçoou aos livros, obtidos com dificuldade e lidos com a escassa luz de lamparina, sob as broncas do pai, preocupado com o consumo de querosene, coisa de luxo naquela época.
Aos 20 anos, seu primeiro parto foi de gêmeos, que morreram com menos de duas semanas de vida.
A próxima fui eu, doentinha e franzina. Nada parava no estômago da menina fragilzinha, sempre ameaçando ir seguir o mesmo caminho dos primogênitos.
Apavorada, D. Carmem tentou de tudo para dar sobrevida ao seu bebê. A eficiência da alquimia utilizada me garantiu um estômago de ema!
No total, oito filhos povoam a vida de D. Carmem, cada qual com sua série de filhos, garantindo muita gente à sua volta na sua terceira idade (ai de quem falar em velhice). O coração grande não se contentou com os oito filhos. Em tempos muito difíceis adotou uma afilhada, que considera como filha e que morou conosco desde os quatro anos de idade.
Quando apresentei a ela meu candidato a marido, ela se afeiçoou por ele de imediato e o adotou também.
O Beto e ela dividem o amor por livros e plantas.
Pois foi essa guerreira que estava na cama da UTI, meio confusa, meio lúcida, com os braços cheios de hematomas, a mão redonda de tão inchada.
Nos primeiros dias pós AVC é normal uma forte agitação do paciente, então ela estava amarrada na cama. Por determinação do médico estava sem a prótese dentária, uma espécie de de dentadura só que sustentada em implantes.
A falta dos dentes a deixava muito mais velha. Mamãe sempre foi muito vaidosa e jamais nos deixava vê-la sem sua prótese.
Perguntou se fomos bem de viagem e se o Sérgio, meu irmão caçula havia voltado da China. Pediu uma água gelada e um café quente. É claro que não podíamos atender nenhum dos dois pedidos.
Ficamos por dez minutos na UTI e fomos embora. Lá fora desabei de vez. O Christiano da The1 estava comigo e me abraçou carinhosamente.
Deus foi muito bondoso ao inventar as lágrimas pois chorar descomprime o peito e funciona como um banho de água morna: não cura a dor mas reconforta.
Já na sala reservada que a The1 mantém para seus clientes fui recuperando o controle. Tinha sido um golpe duro de aguentar, mesmo eu, um poço de racionalidade segundo meu marido.